Entre janeiro e junho deste ano, desembarcaram no Brasil 22,1 mil estrangeiros com visto de trabalho. Desse total, 98% têm nível técnico, curso superior ou até pós-graduação. Se eles viessem juntos, de uma só vez, lotariam 138 aviões intercontinentais. Esse dado do Ministério do Trabalho e Emprego não inclui brasileiros como o engenheiro Octávio Sayão, de 60 anos, que exerceu sua profissão durante duas décadas no Canadá e se mudou para o Rio de Janeiro em maio para preencher uma vaga que estava em aberto por falta de profissionais com qualificação suficiente para ocupá-la. Estrangeiros e repatriados que desembarcam no País para trabalhar são apenas um dos reflexos do iminente apagão de mão de obra especializada que o novo presidente da República terá de enfrentar.
Nos próximos cinco anos, 15 milhões de trabalhadores terão de ser qualificados para atender à demanda de todos os setores da economia, principalmente os de comércio e serviços, segundo dados do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). São 3 milhões por ano. Essa formação atende apenas parte da demanda de longo prazo, mas não resolve a necessidade imediata das empresas. A situação é gravíssima e não há expectativa de que melhore nos próximos anos, diz Luiz Antônio Caruso, coordenador da Unidade de Gestão Tendências e Prospecção do Senai Nacional. Não seria exagero pensar assim, já que as empresas estão correndo atrás e investindo, com recursos próprios, na formação de seus funcionários?
Caruso dispara uma numeralha sobre a situação da educação básica para explicar o pessimismo. No campo da matemática, o aluno sai do ensino médio achando que um quarto é mais que um meio e mal sabe interpretar um texto. A deficiência na formação dos alunos atrasa em 30% o tempo dos cursos oferecidos pelo Senai, porque a instituição tem de prever um módulo para ensinar o que não foi assimilado no ensino básico. A cada três turmas, o Senai poderia criar mais uma, não fosse esse tempo perdido. O que quero dizer é que isso não tem prazo para terminar, porque sem melhoria na educação básica o problema continua existindo.
Formação. A fabricante de equipamentos ferroviários AmstedMaxion sabe bem do que Caruso está falando. Desde o início do ano, a empresa contratou 730 funcionários e ainda tem 80 vagas abertas. Encheu de candidato, mas nessa última seleção para soldadores nem um terço deles passou no teste, diz o presidente Ricardo Chuayh, que comanda 2,7 mil empregados. A empresa teve de montar uma turma de treinamento para capacitar os candidatos ao teste e, mesmo assim, todos foram reprovados. Estamos planejando um novo curso para ver se dessa vez eles passam na prova.
Sem tempo para formar um engenheiro marítimo e costeiro, a Concremat, empresa de engenharia com sede no Rio, foi à caça de um profissional fora do País. Encontrou Sayão – o engenheiro que se mudou para o Brasil em maio – no Canadá, fazendo projetos nessa área para empresas do mundo inteiro, incluindo brasileiras. Ele decidiu se especializar nessa área depois de acompanhar da janela de casa, na década de 70, a obra de dragagem da praia de Copacabana, época em que ser engenheiro era um grande negócio: com economia aquecida e investimento em infraestrutura. Mas Sayão teve a má sorte de se formar na época em que o engenheiro virou suco – referência ao profissional que, demitido durante a crise, abriu uma lanchonete com esse nome na Avenida Paulista em São Paulo. Alguns amigos meus foram para o mercado financeiro, outros abriram negócios próprios. Eu fui embora do País.
Escassez. A história de Sayão ajuda a explicar a escassez de engenheiros no mercado brasileiro. Temos um hiato na formação desses profissionais, já que por um bom tempo essa foi uma profissão desprestigiada no País, lembra Pedro Guimarães, diretor da consultoria de Recursos Humanos Manpower. Segundo levantamento do Conselho Federal de Engenharia (Confea), o País tem um índice de sete engenheiros por mil pessoas economicamente ativas. Em países desenvolvidos, esse número varia de 12 a 24. Precisamos intensificar agressivamente a formação desses profissionais, diz o presidente da entidade, Marco Túlio Mello. Uma saída de curto prazo seria fornecer bolsas de estudo para atualizar engenheiros que estão fora do mercado e convencê-los a voltar.
O professor Cláudio Dedecca, da Unicamp, também considera a situação dramática, mas ressalta que a carência de mão de obra ainda não é generalizada. Temos pessoal para ocupar os postos de trabalho em algumas regiões, mas não temos em outras.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) estima que quatro setores da economia, entre eles o de construção civil, terão dificuldades para preencher 320 mil vagas destinadas a profissionais com qualificação e experiência em 2010. Mas em outras áreas vai sobrar mão de obra.
O problema, segundo Dedecca, só pode ser atacado com pesquisas e planejamento.Ele aponta o Cadastro Geral de Empregados do governo federal como um instrumento fundamental para mapear as demandas do mercado, mas pouco explorado para essa finalidade atualmente. É necessário conhecer as necessidades para programar os investimentos em formação. Esse é um papel das empresas, que também devem se planejar, mas acima de tudo do poder público.
Fonte: Estado de SP, em 24/08/2010