Trabalhadores com carteira assinada e endividados com a casa própria mal sabem que há a possibilidade de usar o depósito mensal de sua conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para abater as prestações. Menos de 0,1% do saldo de R$ 184 bilhões acumulados no fundo até julho deste ano, ou cerca de R$ 169,9 milhões, tiveram essa destinação. Para fazer uso do benefício, basta o cliente procurar o banco que o financiou ou uma agência da Caixa Econômica Federal munido do contrato e dos documentos que comprovem o vínculo empregatício.
Pouco acostumados ao crédito fácil dos últimos meses, muitos brasileiros envolveram-se em dívidas acima de sua capacidade de pagamento, especialmente a dos contratos imobiliários. “Comprei minha casa com muito esforço. Aí, fiquei desempregada. Quando consegui outro trabalho, o salário era menor. Não paguei as mensalidades por um tempão. O banco tomou o imóvel. Agora, não tenho onde morar”, lamenta, envergonhada, a dona de casa Fátima da Silva (nome fictício). Se a personagem ouvida pelo Correio tivesse procurado ajuda especializada, sua decepção poderia ter sido evitada, garante o advogado Lucio Delfino, da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH).
Quem tem financiamento de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) no valor de até R$ 500 mil pode usar os recursos da conta vinculada do FGTS para sair do sufoco. Se o empregador recolhe, por exemplo, R$ 1.000 mensais para a conta vinculada, o trabalhador poderá usar, no máximo, 80% desse valor, ou seja R$ 800. Se a prestação do imóvel for, por exemplo, de R$ 1.200, ele só terá que arcar com a diferença, R$ 400, de seu próprio bolso. Para quem está endividado, é uma ajuda considerável. Mesmo quem ficou desempregado e voltou a trabalhar tem autorização para usar o dinheiro.
Vale a pena
A Caixa informa que, na data da solicitação do FGTS, o financiamento só pode apresentar até três prestações em atraso. Delfino, porém, ensina que, se o tempo for superior, o consumidor não está desprotegido. O primeiro passo é procurar o banco e renegociar — exigindo a retirada de cobranças indevidas e de juros abusivos —, de forma que a dívida seja incluída no saldo devedor. “Se o imóvel vale R$ 100 mil e ele já pagou R$ 40 mil, o saldo devedor será de R$ 60 mil. Supondo que deixou de pagar várias parcelas e o total atrasado é de R$ 4 mil, deve pedir para incorporar esse valor aos R$ 60 mil e alongar o prazo”, explica. Ao renegociar, o mutuário passará a ter, na verdade, um novo financiamento.
Assim, com a atualização, será permitido também o pagamento mensal por meio da ajuda dos recursos da conta vinculada. É uma saída para amenizar a inadimplência. “E vale a pena. O dinheiro do FGTS rende juros de 3% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR), de 2,5% anuais. O financiamento cobra das mesmas pessoas entre 6% e 12% ao ano, mais a TR”, compara o advogado. Pelas regras, o trabalhador tem que comprovar tempo de serviço de no mínimo três anos sob o regime do FGTS, consecutivos ou não. “O banco tem que aceitar. Se o cidadão se sentir coagido, procure seus direitos na Justiça”, aconselha.
Caso a instituição financiadora não faça a operação diretamente com a Caixa, o mutuário precisa procurar uma agência do banco federal para usar o FGTS e reduzir a dívida. Deve levar a Carteira de Trabalho, solicitar o saldo da conta vinculada e apresentar a última prestação paga e o CPF. Se for um trabalhador que faz recolhimento avulso ao fundo, deve ainda apresentar declaração do órgão gestor da mão de obra ou do sindicato. O trabalhador pode usar os recursos do FGTS para comprar imóvel novo ou usado, para construção, liquidação ou amortização de dívida do contrato habitacional.
Fique atento
As dívidas poderão levar à perda do imóvel. Engana-se quem pensa que a uma única moradia está isenta desse risco. A legislação sofreu muitas mudanças ao longo do tempo para defender o proprietário do mau pagador. Os que não pagam serão despejados e terão o imóvel leiloado. A Lei nº 8.009/90 fala em “proteger a entidade familiar e resguardar o direito à moradia”, mas isso só funciona em alguns casos. “Se um mutuário entra para um financiamento e comete inadimplências no pagamento, a partir de 90 dias isso acarretará o início de um processo de perda de imóvel. Nesse caso, a lei abre uma exceção. Mesmo que a família possua só um imóvel, ele poderá ser leiloado”, esclarece Delfino.
A lista de exceções é extensa. Também perde a casa quem deixar de pagar débitos trabalhistas de empregados do imóvel; pensão alimentícia; impostos predial e territorial; taxas e contribuições (condomínio). Também está ameaçado quem hipotecou ou deu o imóvel como garantia; quem adquiriu o bem com dinheiro de crime; ou quem for fiador de alguém que não pagou. “Não importa se as prestações foram indevidamente majoradas, se o mutuário ficou inerte e não procurou seus direitos. Vai perder a casa e de forma bem rápida”, alerta o advogado da ABMH.
Fonte: Estadão, em 06/10/2010