O Brasil precisa rever mecanismos de controle das compras do exterior que sobreviveram à políticas antigas, como a de substituição de importações, que teve seu auge na década de 60. Além disso, é precisar organizar políticas de estímulo à inserção das empresas no mercado internacional, levando-se em consideração os perfis de cada setor e não apenas o porte das empresas.
Essa é uma das lições que pode-se tirar da experiência da produção do etanol no Brasil e os desafios para sua inserção no mercado internacional. O assunto foi debatido ontem em seminário sobre direito e desenvolvimento, promovido pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas. O evento termina hoje. De autoria das pesquisadoras Michelle Ratton Sanchez Badin e Daniela Godoy, o estudo analisou também a organização e iniciativa das empresas no caso da exportação do etanol. Esse segmento mostra o quando a atuação do setor privado é complementar à do setor público, diz Michelle, que é professora da Direito GV. Isso é importante principalmente para um país como o Brasil, grande exportador de commodities, que enfrentam muitas barreiras técnicas e não tarifárias.
Vera Thorstensen, coordenadora do centro de comércio global da Escola de Economia da GV, acredita que o setor do etanol é um dos melhores exemplos para se identificar a estratégia das indústrias em acordos multilaterais e também os regionais e bilaterais, que costumam definir regras preferenciais para questões trabalhistas e climáticas.
Michelle acredita que a experiência do etanol traz lições importantes, embora a experiência não possa ser simplesmente replicada. Na verdade, existem setores diversos com perfis diferentes. É preciso que uma política de estímulo ao comércio global possa separar os setores por perfis. Ela acredita que hoje esses incentivos usam em demasia o critério do porte da empresa. As empresas grandes são diferenciadas das pequenas e médias, mas isso pode não ser suficiente. Para ela, é necessário levar em conta a capacidade de organização de cada segmento.
No caso do etanol, há iniciativas importantes do setor no trabalho de certificação, lembra Michelle. Há um esforço de atestar o combustível alternativo como um produto em conformidade com normas trabalhistas e ambientais. Essa é uma iniciativa, diz, que resulta de um trabalho do próprio setor e que pode ser importante no comércio externo para enfrentar barreiras não tarifárias. É uma forma de atuação, lembra, que pode ser seguida por outros segmentos da agroindústria e que nem sempre o poder público pode resolver.
Do lado do poder público, acredita a professora, um passo a ser dado é a maior capacitação técnica de órgãos de fiscalização que atuam no desembaraço aduaneiro. Para Michelle, é necessário também que esses órgãos tenham um trabalho mais coordenado. Atualmente, diz ela, o desembaraço é burocrático e muitas vezes lento. É um processo que obedece a um objetivo de dificultar a entrada de mercadorias, da época da substituição de importações. Atualmente a percepção é outra, a de que a importação é também uma etapa da exportação, já que o exportador precisa muitas vezes de insumos comprados do exterior.
Fonte: Estadão, em 04/11/2010