“No ritmo em que vai, a China está substituindo os americanos no espaço econômico brasileiro e não quero que nossa relação tenha de passar pela China”, disse a presidente Dilma Rousseff para o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, segundo autoridade brasileira que participou, no sábado, da reunião entre os dois chefes de Estado. A frase serve de resposta ao comentário infeliz do subsecretário de Estado dos EUA Arturo Valenzuela, que, às vésperas da viagem de Obama, disse estar “contente” porque, com dinheiro das exportações à China, o Brasil compra “máquinas americanas”.
Dilma, na preparação para a conversa com Obama, fez questão de pôr em primeiro plano, entre seus “pontos de conversação” (ou talking points, como dizem os diplomatas), as queixas do Brasil em relação a barreiras comerciais enfrentadas por produtos brasileiros, como a tarifa sobre importações de etanol, sobretaxas sobre suco de laranja e barreiras sanitárias à importação de carne. É o tipo de assunto que, nos documentos de preparação do chefe de Estado, costuma ser relegado aos anexos. Dilma quis estar a par de cada detalhe e cobrou de Obama na reunião privada e ao falar à imprensa.
“É fundamental que sejam rompidas as barreiras que se erguem contra nossos produtos – etanol, carne bovina, algodão, suco de laranja, aço, por exemplo”, cobrou a presidente, após avisar que falaria com “franqueza” para construir uma relação “de maior profundidade” com os EUA, no pronunciamento dos dois presidentes à imprensa. Dilma criticou também, sem fazer menção direta, as medidas de expansão monetária dos EUA, que modificam a relação entre s moedas no mundo, “desgastam as boas práticas econômicas e empurram países para ações protecionistas”.
O clima, na comitiva de empresários que acompanhou Obama, era favorável à cobrança pela derrubada de barreiras. Após um pronunciamento no seminário promovido pela Câmara Americana de Comércio e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Obama recebeu um grupo de empresários brasileiros. Ouviu do empresário Maurílio Biagi e de Marcos Jank, presidente da Unica (associação que reúne usinas sucroalcooleiras), um apelo por maior esforço de redução das barreiras ao etanol brasileiro. Na breve conversa, bem-humorado, brincou com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. “Da próxima vez, irei a São Paulo”.
Nas reuniões do Fórum de Altos Executivos, o coordenador pelo Brasil, ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, disse não ver problema no déficit comercial do Brasil com os EUA, mas criticou o “protecionismo”, capaz de atrapalhar os “passos auspiciosos” da cooperação entre os dois países. O vice-conselheiro de segurança nacional para assuntos de economia internacional dos EUA, Michael Froman, indicou aos empresários que espera ver resolvida em breve a demanda por licenças sanitárias para a carne brasileira.
À saída do breve encontro com Obama, o presidente da Vale, Roger Agnelli, que quase foi barrado pela rígida segurança da Casa Branca, lembrou que a expansão da China na África é um lembrete da necessidade de cooperação entre EUA e Brasil. “Somos concorrentes, mas temos de estar juntos”, disse ele.
Criticado nos EUA pela viagem ao Brasil em plena crise no Oriente Médio, Obama enfatizou, em seus discursos e nas conversas em Brasília, o papel da relação com o país na geração de empregos no mercado americano – um dos principais objetivos traçados em Washington. Hoje, o secretário de Comércio, Gary Locke, tem encontro com empresários na Fiesp, em São Paulo. Locke, no encontro com altos executivos, cometeu uma gafe ao defender os laços comerciais entre Brasil e EUA, “capazes de gerar emprego nos Estados Unidos e na Índia”. Foi corrigido por assessores que lhe sussurraram “Brazil”.
Na prática, a vinda de Obama serviu para garantir a assinatura de um acordo destinado a facilitar a remoção de desentendimentos entre as burocracias dos dois governos, o TECA, sigla em inglês de Acordo de Cooperação Econômica e Comercial. Pelo acordo, formou-se uma comissão bilateral para relações econômico-comerciais, com os ministério de Relações Exteriores e de Desenvolvimento e o representante comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). Contrariando uma expectativa do governo brasileiro, que via no TECA oportunidade de uma relação descentralizada com outros órgãos da administração americana, será o USTR quem indicará representantes de outros órgãos para reuniões com o Brasil.
A comissão terá pelo menos um encontro anual e pode designar peritos para resolver problemas bilaterais. Seu programa de trabalho inclui desde assuntos regulatórios que afetem comércio e investimentos a direitos de propriedade intelectual e comércio eletrônico. “O Teca obriga o pessoal a conversar, abre maiores condições para resolver pendências”, saudou o presidente da seção brasileira da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, Gabriel Rico.
No Rio, ontem, empresários americanos em reunião informal chegaram a perguntar ao representante comercial dos EUA, Ron Kirk, uma das estrelas da comitiva de Obama, se, com o Teca, já não seria hora de cogitar um acordo de livre comércio entre EUA e Mercosul. Kirk respondeu que as negociações com o Brasil estão no âmbito da rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio, mas que considerava interessante sugerir aos brasileiros participação da Iniciativa do Pacífico, um esforço americano para reunir num só acordo os tratados de livre comércio que tem com países asiáticos.
Fonte: Udop, em 21/03/2011