Na verdade já estão faltando trabalhadores em algumas áreas. O desemprego no Brasil, nesse momento, é um dos cinco mais baixos do G-20. Está cada vez mais difícil aferir a taxa de "desemprego natural" diante de tantas mudanças estruturais observadas na economia brasileira, possivelmente relacionadas a um silencioso aumento de produtividade. Qual seria a taxa de desemprego compatível com uma estabilidade inflacionária, considerando a meta de inflação perseguida? Se alguém me disser que esse número passou a ser 5% ou menos, confesso que eu não teria a menor convicção para desqualificar essa previsão. Estaria o mercado de trabalho dando os sinais qualitativamente adequados sobre o aquecimento da atividade ou estaríamos assistindo a transformações que vão muito além disso? Acredito nessa segunda hipótese. Um simples aquecimento convencional da economia não teria jamais, por si só, a capacidade de gerar as pressões que estamos assistindo. O fio condutor das pressões inflacionárias recentes vem inequivocamente da dimensão difusa do investimento privado.
O ciclo de investimentos em curso no Brasil, que tem uma abrangência setorial sem precedentes, faz com que praticamente todas as empresas pressionem o mercado de trabalho (e também o mercado de bens) ao mesmo tempo. Estamos falando de algo raro, depois de muitos anos de sub-investimento. O investimento, que é uma variável cíclica, circunstancialmente tem se tornado menos cíclico. O que quero dizer com isso é que o empresário que investe nesse momento está, em certa medida, desprezando o cenário de curto prazo de desaceleração do PIB, resultante do combate à inflação, e está mirando 10 anos à frente. Em outras palavras, é como se as empresas tivessem um "departamento de investimento" que recebe instruções do comando da organização para não olharem para a conjuntura. "Olhem só para frente! Deixem que para a conjuntura olho eu!", diria um controlador típico sem querer perder um minuto sequer, porque sabe aonde quer chegar lá na frente com o seu negócio. Isso tem tudo a ver com a resistência da economia brasileira exibida durante e após a crise. O país tornou-se mais previsível, a despeito de todos os problemas que ainda perturbam muito a vida das empresas e das famílias brasileiras.
O patamar salarial mudou. O que se paga para um operário não qualificado é o que se pagava por um especializado.
O que quero transmitir aqui é que a velha ideia de que a oferta de trabalhadores no Brasil é ilimitada está gradualmente deixando de ser verdadeira, na medida em que os investimentos se espraiam setorialmente. O aperto monetário em curso circunstancialmente tem impactado relativamente pouco na demanda por mão de obra. Há muitas evidências de falta de caminhoneiros, carência de engenheiros e até mesmo dos chamados 'peões de obra'. Eu tenho uma tese, que venho testando com várias empresas, de que o problema não é tanto a falta mão de obra qualificada, apesar de este ser cada vez mais um tema desafiador para o Brasil. O que falta no Brasil, neste momento, é pura e simplesmente mão de obra barata. Os salários reais aumentaram muito, a política de salário mínimo tem sido historicamente agressiva e as políticas sociais geraram novas oportunidades para jovens e mulheres que estudam cada vez mais e adiam o ingresso no mercado de trabalho. Mudou o patamar salarial no Brasil. Empregadas domésticas tornaram-se manicures. Manicures progrediram a vendedoras de lojas. Vendedoras de loja tornaram-se gerentes de loja e assim por diante. O que se paga hoje para um trabalhador não especializado é o que se pagava há três anos para o trabalhador qualificado. As empresas me sinalizam que os projetos em curso não estão se inviabilizando por isso e que nem tampouco serão abandonados. Mas os novos custos salariais já redefinem a taxa de retorno dos mesmos apesar dos aumentos de produtividade obtidos nos últimos anos.
A população economicamente ativa (PEA) – os que estão trabalhando ou procurando emprego na semana de referência – precisaria crescer bem mais daqui para frente e em linha com o crescimento da população efetivamente ocupada. Mas o que temos visto é que a população ocupada está crescendo sistematicamente bem mais do que a PEA (2,5% contra 1,6% em média nos últimos anos). Por isso que o desemprego cai seguidamente. No ritmo atual e considerando que a População em Idade Ativa (PIA, no critério que consideramos o mais adequado, pessoas de 15 a 70 anos) crescerá menos por razões estritamente demográficas (as mulheres geram cada vez menos filhos a la economias maduras e a cada ano existem mais idosos na população total), a taxa de desemprego chegaria a zero em 2017, dentro de 6 anos. Mesmo sendo esse um cenário absolutamente hipotético e de impossível concretização, ele revela, no entanto, uma inequívoca restrição potencial ao crescimento, com a necessidade de importar trabalhadores, adiar o momento da aposentadoria dos mais velhos ou contar com outros caminhos para que isso possa ser evitado.
A rigor, uma das possibilidades seria o incremento da força de trabalho, fazendo com que pessoas em idade ativa que não trabalham aceitem ingressar na população economicamente ativa. É preciso também aumentar bastante a produtividade de quem já trabalha. Na direção do primeiro caminho, devem-se dar melhores condições para que as mulheres ingressem no mercado de trabalho e aumentem sua taxa de participação, até atingir níveis mais próximos aos dos homens. Atualmente, apenas 58% das mulheres em idade ativa são economicamente ativas, enquanto que para os homens esse percentual ultrapassa 80% (considerando mais uma vez as pessoas de 15 a 70 anos). Essa diferença já foi estreitada no período recente e pode diminuir ainda mais, caso sejam oferecidas condições adequadas para que as mulheres criem seus filhos, com, por exemplo, o aumento da oferta de creches de boa qualidade.
Por outro lado, a qualificação média do brasileiro ainda é baixa, e esforços para a melhoria desse indicador podem prover ganhos de produtividade significativos, com muita tecnologia e inovação para liberar mão de obra qualificada ou mesmo não especializada para setores carentes dela. Além dos investimentos governamentais já realizados para a universalização dos ensinos básico e médio, e do atual esforço de ampliação do ensino superior, as empresas também vêm treinando intensamente os seus funcionários. A evidência anedótica sugere a ocorrência de um fenômeno excepcional, ainda que de difícil mensuração. Por fim, os investimentos em capital por parte de empresas e governo trazem perspectivas para a mudança do mix produtivo, em direção a uma economia que utiliza seus recursos escassos de maneira mais eficiente.