O etanol brasileiro acabou? Estamos nos tornando importadores de etanol? São essas as indagações que mais tenho ouvido nos últimos tempos e me conduzem a escrever este artigo, até para evitar que elas erroneamente virem afirmações.
A redução da oferta de etanol no Brasil tem três explicações.
Primeiro, o setor reduziu seu crescimento após a crise financeira de 2008, que atingiu fortemente as empresas que mais haviam investido naquele momento. Um terço do setor entrou em dificuldades e passou por forte reestruturação financeira e societária. Em vez de novas unidades, os investimentos deslocaram-se para a compra de empresas endividadas e a expansão caiu de 10% para 3% ao ano, não acompanhando as vendas de carros flex.
Segundo, nos últimos seis anos o custo de produção do etanol aumentou mais de 40%, ao mesmo tempo que o diferencial tributário do produto ante a gasolina se estreitou. Terceiro, as três últimas safras foram marcadas por graves problemas climáticos e produtividade em queda, numa incrível sequência de chuvas e seca em excesso, além da geada deste ano.
Para evitar problemas de abastecimento e reduzir a volatilidade dos preços o governo, as distribuidoras e os produtores vêm se reunindo desde o início do ano para monitorar com lupa a produção e o mercado. Deveremos importar este ano 1 bilhão de litros de etanol, o equivalente a 4% da produção brasileira, valor compreensível diante de uma quebra de produtividade que atingirá 20% em produto nesta safra. Importar etanol ainda é melhor e mais barato, econômica e ambientalmente, do que importar gasolina.
Aliás, por se tratar de um combustível de origem agrícola e, portanto, sujeito aos conhecidos riscos climáticos, é preciso estar sempre preparado para recorrer a eventuais importações. Agora, imaginar que o Brasil se tornará "importador estrutural" de etanol (ou de alimentos básicos) é simplesmente desconhecer o enorme potencial do País. Só o seremos se formos muito incompetentes, no médio e no longo prazos.
O monitoramento estrito e as importações aumentaram a segurança de abastecimento do sistema. A ampliação das linhas de crédito proposta pelo governo permitirá uma recuperação dos canaviais afetados pelos problemas climáticos. Em breve novas medidas serão implementadas, como a ampliação do programa de financiamento de estocagem de etanol e o sistema de contratação prévia de etanol anidro pelas distribuidoras no início da safra, vinculado à compra de gasolina. Vale destacar ainda que o setor está disposto a buscar novos mecanismos contratuais para alongar ainda mais o compromisso de oferta de etanol anidro e garantia de abastecimento de longo prazo. Etanol anidro é aquele misturado na gasolina a uma taxa de 18% a 25%. O hidratado é o que é vendido puro nas bombas e compete diretamente com a gasolina.
Os carros flex foram desenvolvidos para usarem etanol ou gasolina indistintamente, e essa livre escolha é uma vantagem de que só o consumidor brasileiro dispõe hoje no mundo. Entendemos que, no longo prazo, o País tem interesses ambientais e de saúde pública que justificam que os carros flex utilizem volumes cada vez maiores de etanol em seus motores. Mesmo com a dádiva do pré-sal, que certamente fará do Brasil um grande exportador de petróleo e derivados, não devemos abrir mão do nosso compromisso de ter uma matriz energética cada vez mais limpa e renovável. E isso passa pela definição clara do papel dos biocombustíveis e da bioeletricidade na matriz energética brasileira.
Portanto, é preciso desde já definir políticas públicas e privadas que restabeleçam a competitividade e ampliem a participação do etanol na matriz de combustíveis do País. Diversos são os caminhos possíveis para isso, mas os mais inteligentes são: 1) Ganhos de eficiência que reduzam custos agrícolas, agroindustriais e de logística e 2) mudanças efetivas na estrutura tributária que reconheçam os benefícios econômicos, ambientais e de saúde publica do etanol para a sociedade.
Boa parte dos países do planeta tem graves restrições em termos de clima, água, solos ou tecnologia agrícola. Esse não é o caso do Brasil. Hoje a cana-de-açúcar ocupa menos de 3% de nossas terras aráveis (9,7 milhões de hectares), uma área quase 20 vezes inferior à ocupada apenas por pastagens (180 milhões de hectares). Já duplicamos a produção de etanol por área desde os anos 1970 e podemos duplicá-la novamente nos próximos dez anos. Portanto, não se trata de optar entre açúcar e etanol ou entre mercado interno e mercado externo. Nossa verdadeira meta deveria ser duplicar a quantidade de cana produzida no País até 2020 para atender a todos esses mercados, começando, obviamente, pelo atendimento ao flex, mas não deixando de lado nenhum mercado atual e potencial.
A presidente Dilma foi muito feliz ao citar em seu discurso de posse uma frase do mestre Guimarães Rosa que reproduzo aqui, pois serve com perfeição para ilustrar o atual momento que vive o etanol brasileiro. "A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela requer da gente é coragem".
Tivemos imensa coragem ao lançar, em 1975, o primeiro programa mundial de substituição de petróleo por um combustível renovável em larga escala, o Proálcool. No momento em que estamos completando 50% de frota de flex, precisamos novamente da mesma coragem para completar essa bela jornada brasileira e mostrar ao mundo que, mesmo tornando-nos grandes produtores e exportadores de petróleo, continuaremos contando com alternativas energéticas do mundo de baixo carbono pós-petróleo – o etanol e a bioeletricidade da cana-de-açúcar, segunda fonte da nossa matriz energética exemplar.