Desde 2005, o consumidor brasileiro pôs na garagem mais de 14 milhões de carros dotados de motor flex, de olho no álcool mais barato nas bombas de combustível. Mas, enquanto a demanda disparou, a oferta patinou e o produto tornou-se escasso e caro no País onde foi criado. Não bastasse essa contradição, o Brasil tem exportado etanol, ao mesmo tempo em que importa esse tipo de combustível de seu maior concorrente, os Estados Unidos. Até março de 2012, quando se encerra a safra atual, o Brasil terá importado 1,2 bilhão de litros de álcool, quase três vezes mais que na temporada passada. E 90% desse volume vem do campo americano. Significa dizer que o Tio Sam, maior comprador de etanol de cana-de-açúcar, tem suprido o equivalente ao consumo mensal brasileiro com seu etanol feito a partir do milho. Faz sentido? Nenhum. Mas há razões para esse curioso intercâmbio comercial.
O Brasil tem de exportar etanol para honrar contratos celebrados nos últimos dois anos, nos quais se comprometeu a vender parte da produção. Ao fim da última colheita, 1,4 bilhão de litros do combustível já tinham destino certo no Exterior – e outros 200 milhões de litros foram vendidos no mercado à vista. "Não rasgamos contratos de exportação", disse à DINHEIRO Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Só os Estados Unidos, que impõem uma sobretaxa de US$ 0,54 por galão de etanol brasileiro para proteger seus produtores, responderam por 377,7 milhões de litros do que foi exportado pelas usinas até setembro. Trata-se de um crescimento de 20,5% no volume embarcado para os Estados Unidos, enquanto o total exportado neste ano teve queda de 16%.Embora continuem expressivas, as vendas para o Exterior vêm caindo sistematicamente desde 2008, quando foram exportados cinco bilhões de litros.
Mas a exportação de etanol para os Estados Unidos continua um bom negócio. Desde o início do ano, a Califórnia – dona de uma frota de carros maior que a brasileira – paga um bônus a biocombustíveis avançados, como forma de estimular a redução de emissões de gás carbônico. Esse prêmio recupera a competitividade do produto brasileiro e garante a demanda pelo produto, já que o etanol de milho não se enquadra na legislação. Na contramão, a venda para o Brasil viabilizou-se desde que o governo zerou a alíquota de importação de álcool em abril, reduzindo, com isso, o preço final ao consumidor. "Saem um barco daqui e um de lá para cá, e eles ainda nos pagam", diz Edgar Ferreira de Beauclair, coordenador do grupo de estudos da cana-de-açúcar da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP). "O subsídio deles acaba tornando o etanol de milho barato para exportar para o Brasil." As empresas do setor estão atentas a esse cenário curioso e têm buscado lucrar com ele.
A Delta Energia, trading da área de commodities e dona de uma usina em Ribeirão Preto (SP), abriu um escritório em Houston, no Texas, no início do ano. De lá, importa etanol brasileiro e exporta o combustível americano. "Mesmo com os preços altos, a demanda pelo etanol brasileiro vai continuar", diz Fabrício Ataíde, agente comercial da Delta. A ETH Bioenergia, maior produtora de etanol no Brasil, tem concentrado toda sua produção no mercado brasileiro, mas também importa etanol dos Estados Unidos. "Todo mercado que tem o potencial de multiplicar seu tamanho por dois, como o brasileiro, é atrativo", disse à DINHEIRO José Carlos Grubisich, presidente da ETH. Ele conta que a empresa investiu R$ 7 bilhões em sete novas usinas, nos últimos três anos, e nesta safra adicionará 120 mil novos hectares à sua área plantada, mas cobra políticas de financiamento para a lavoura e estocagem. "A retomada da renovação das lavouras existentes e da ampliação dos canaviais é fundamental", afirma. Segundo Grubisich, pelo menos 20% da lavoura precisa ser renovada a cada ano.