Os carros chineses e coreanos são as duas maiores "vítimas" da decisão do governo de barrar a evolução dos importados no mercado brasileiro de veículos, o quarto maior do mundo.
A entrada de veículos da China – que, no ano passado, chegou a ameaçar a posição do México, tradicional parceiro da indústria automobilística nacional – recua 89% em 2012 e representa agora menos de 1% do volume de carros importados pelo Brasil. Em um ano, a fatia da Coreia do Sul nesse bolo caiu de 25,4% para 14,8%.
Por outro lado, os sofisticados carros europeus – nos quais a demanda tem mostrado menor elasticidade em relação a variações de preços – sentiram menos os efeitos da majoração tributária aos importados: a queda nas importações foi de 6,5%.
Os números compõem o novo cenário do mercado automobilístico após a elevação em 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre carros de baixo conteúdo regional – uma medida que vale desde 16 de dezembro.
Também dão a real dimensão dos primeiros impactos das mudanças nas regras porque não são contaminados pelos altos estoques formados antes da majoração tributária, que geram distorções na análise do desempenho das importações.
O primeiro reflexo da nova conjuntura é o esfriamento dos planos de desenvolvimento de marcas como JAC Motors, Towner, Topic e BMW – que vinham em franco crescimento, mas resolveram adiar as prospecções de novos pontos de venda.
Elas esperam, ainda neste mês, por medidas de apoio do governo, o que pode ser um sistema de cotas de importação, nos moldes do modelo adotado na revisão do acordo automotivo com o México.
Mas, antes disso, os importadores começam a buscar outras saídas para enfrentar um ambiente de negócios que se mostra mais desafiador. Na JAC, as primeiras medidas incluem cortes nas pesadas despesas com marketing e um menor ritmo na expansão da rede de revendas.
Após chegar ao país em março do ano passado com a abertura simultânea de 50 lojas, a JAC estacionou em 75 concessionárias, 50 a menos do que imaginava para este momento o empresário Sérgio Habib, responsável por trazer a marca chinesa ao país.
Nas estimativas de Habib, as vendas da JAC, que somaram 24 mil carros no ano passado, devem ficar estagnadas dentro da faixa de 30 a 35 mil por ano no período de 2012 a 2014 – voltando a ter um crescimento expressivo apenas com o início da produção na fábrica planejada para Camaçari (BA), algo previsto para daqui a dois anos e meio. A meta anterior era alcançar vendas de 45 mil carros ainda neste ano. "O aumento do IPI representa uma pausa no crescimento que vai durar três anos", conta o empresário.
Outras empresas já começam a trabalhar alternativas para o negócio de importação, caso da Rodobens, que pretende converter uma revenda de importados no Morumbi – na zona Sul da capital paulista – em uma loja de veículos seminovos.
No momento, estão sendo consumidas as últimas unidades dos elevados estoques de carros formados antes da majoração do IPI, que permitiram a manutenção de preços por montadoras como a JAC e a também chinesa Chery.
Marcas que trabalhavam com estoques enxutos na virada do ano tiveram que repassar mais rapidamente o aumento de custo e viram, como resultado, um acentuado declínio das vendas. Essa foi a situação enfrentada pela coreana Kia Motors, já antiga no mercado brasileiro, cujos emplacamentos mostraram queda de 44,5% no primeiro quadrimestre do ano.
As perspectivas também são pouco promissoras quando se observa a recente valorização do dólar – encarecendo ainda mais as importações – e a maior seletividade dos bancos na liberação de crédito, que afeta, particularmente, as vendas nos segmentos mais populares.
"Diminuímos o ritmo de expansão territorial. Ou seja, deixamos de ir atrás de novas concessionárias. Imaginava ter o dobro dos volumes (de venda) que tenho hoje", relata Ricardo Strunz, diretor da CN Auto, que traz ao Brasil os utilitários de origem chinesa Towner, da Hafei, e Topic, da Jinbei.
O aumento da alíquota do IPI para importados – para patamares de 37% a 55% – ocorreu no momento em que os carros asiáticos ganhavam uma posição de destaque no mercado brasileiro. Há dez meses, a China respondia por 9,1% das importações, enquanto a parcela das montadoras coreanas era de 18,9%.
Em uma inversão dessa tendência, o novo regime automotivo é marcado pela franca expansão de veículos vindos do México, que volta a ser o segundo maior fornecedor de carros aos brasileiros, atrás apenas da Argentina. Os dois países, que têm acordos comerciais com o Brasil, não foram atingidos pelo aumento do IPI.
O sucesso de carros trazidos do México pela Nissan – sobretudo o compacto March – ajuda a explicar essa retomada. Mas mesmo nesse caso, o crescimento passou a ser limitado dentro da complementação do acordo automotivo com os mexicanos. A cota da Nissan, livre do imposto de importação de 35%, por exemplo, ficou fixada em US$ 329 milhões ao ano dentro dos novos termos.
Embora números da Secretária de Comércio Exterior (Secex) mostrem menor contração nas importações de carros da Europa durante o primeiro trimestre, as grifes alemãs BMW e Mercedes-Benz trabalham com a tendência de queda de dois dígitos nas vendas.
Após alcançar em 2011 a marca histórica de 10,27 mil automóveis no Brasil, a Mercedes-Benz projeta uma queda para os patamares de 7 mil a 8 mil carros em 2012. "Estamos trabalhando com níveis parecidos com os de 2010", relata Dirlei Dias, gerente sênior de vendas da divisão de automóveis da Mercedes-Benz no Brasil.
Na BMW, a expectativa é de queda de 30% a 35% nos emplacamentos e a montadora deixou de trabalhar em projetos de ampliação da rede, que dobrou de tamanho nos últimos três anos. "Não olhamos para isso agora. Até porque ainda não sabemos para que lado o governo vai", afirma Henning Dornbusch, presidente da operação brasileira da BMW, ao se referir à possibilidade de ações de estímulo ao setor vindas de Brasília.