Conservadores fiscais venceram duas importantes votações ontem no Congresso americano pelo corte de subsídios agrícolas, num primeiro passo de um processo legislativo que ao fim poderá levar à eliminação de barreiras comerciais e da concorrência desleal dos Estados Unidos aos produtores brasileiros de álcool combustível e de algodão.
No Senado, foi aprovada uma emenda que derruba imediatamente subsídios aos produtores americanos de álcool, também conhecido como etanol, e a tarifa de importação do produto, com uma folgada maioria de 73 votos a 27. Para entrar em vigor, porém, o dispositivo ainda deve passar pela Câmara.
Na Câmara dos Deputados, foi aprovada uma outra emenda que derruba o pagamento de US$ 147 milhões aos produtores brasileiros de algodão, por 223 votos a 197. Num primeiro momento, o Brasil sai perdendo. Mas o deputado que patrocina a medida na Câmara, Ron Kind, afirma que o desdobramento natural dessa votação será cortar também os subsídios aos produtores americanos de algodão, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) declarou ilegal numa ação movida pelo Brasil. Essa emenda também tem que passar pelo Senado para entrar em vigor.
A emenda que elimina os subsídios ao álcool foi colocada como contrabando dentro de um projeto que trata de um assunto completamente diferente, a revitalização do desenvolvimento econômico. Como esse projeto maior tem poucas chances de ser aprovado no Congresso, é bastante provável que a emenda que termina com as barreiras ao álcool caia também.
Mas a votação folgada no Senado é um importante termômetro da pouca disposição política para renovar os subsídios quando eles vencerem em dezembro, ou mesmo para extingui-lo antes disso, dentro das negociações no Congresso para cortar o déficit público americano.
“A indústria americana do etanol tem procurado se posicionar para que os subsídios sejam reduzidos gradualmente”, afirmou ao Valor Divya Reddy, analista política especializada em energia e recursos naturais da consultoria Eurasia Group. “A votação mostrou que não há apetite para isso no Senado.”
Para incentivar o uso de energias renováveis, o governo americano concede um subsídio de 45 centavos de dólar por galão (3,8 litros) de álcool misturado à gasolina, num programa que custa US$ 6 bilhões anuais aos contribuintes americanos. Para evitar que o subsídio vá para produtores estrangeiros, o governo também impõe uma tarifa de 0,54 centavos de dólar sobre o etanol importado. Um dos maiores prejudicados pelo sistema é o Brasil, que produz etanol de cana-de-açúcar com custos mais baixos que o produto americano, geralmente feito de milho.
“O fim do sistema de tarifas no etanol importado, que dura 30 anos, vai ajudar a baixar os preços dos combustíveis para os americanos, dando acesso a fontes renováveis de energia mais baratas como o etanol de cana-de-acúcar”, declarou ontem Leticia Phillips, representante baseada em Washington da União da Indústria de Cana-de-Açucar (Única), uma entidade brasileira de lobby.
Os cortes de subsídio ao algodão e ao álcool combustível são resultado de uma onda conservadora que tomou o Congresso em fins do ano passado, quando o partido de oposição Republicano venceu as eleições legislativas com um discurso de austeridade fiscal. Para esse movimento político, o alto déficit fiscal americano, equivalente a cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), é a principal causa da debilidade economica do país.
Os republicanos têm sido mais agressivos na Câmara, onde detém a maioria, e nos últimos dias concentraram os seus esforços em fazer cortes em uma lei que distribui verbas para programas agrícolas. Uma dessas verbas é um pagamento anual de US$ 147 milhões que os Estados Unidos se comprometeu a fazer, num acordo fechado com o governo brasileiro no ano passado dentro da disputa na OMC, ao Instituto Brasileiro do Algodão (ITA), até que sejam cortados definitivamente os subsídios ilegais aos produtores americanos.
Kind, o deputado conservador que apresentou essa emenda, crítica esse acordo fechado pelo governo do presidente Barack Obama. Para ele, os Estados Unidos deveriam ter ajustado o programa de subsídios de uma vez por todas, em vez de fechar o acordo prevendo pagamentos aos brasileiros. O governo Obama optou pela solução provisória até que, no ano que vem, seja revista a lei maior sobre a política de subsídios para a agricultura, conhecida como a “Farm Bill”.
“O governo está pagando uma propina para os produtores brasileiros para eles não derrubarem os subsídios americanos ao algodão”, disse Kind em plenário. “Criaram um novo subsídio ao exterior para manter um subsídio que deveria ser revisto.”
Embora a emenda tenha sido apresentada pelos conservadores fiscais, o apoio do partido governista Democrata foi fundamental para sua aprovação. Dos 184 deputados democratas que votaram, 128 apoiaram a medida. Entre os republicanos, apenas 95 dos 236 deputados votaram pelo corte ao pagamento ao Brasil. Deputados mais à esquerda viram na votação uma forma de protestar contra a abertura comercial representada pela OMC. “Talvez a gente consiga implodir a OMC”, disse o democrata Peter DeFazio.
Se a emenda for levada adiante e aprovada no Senado, porém, há o risco de uma guerra comercial com o Brasil. A OMC concedeu ao Brasil o direito de retaliar os Estados Unidos com a imposição de US$ 800 milhões em sobretaxas sobre produtos americanos. Kind afirmou em plenário que não é seu interesse desencadear uma guerra comercial. Ele argumenta que, ao quebrar o acordo com o Brasil, os Estados Unidos terão que lidar imediatamente com o centro da questão – reformar os subsídios aos agricultores brasileiros.
Diplomatas brasileiros em Washington receberam a emenda do algodão com um misto de preocupação e esperança. Esperança porque o clima político conspira pelo fim de subsídios questionados há muito tempo pelo Brasil. Mas preocupação porque, se o pagamento ao Brasil for cortado sem mexer com os subsídios aos produtores americanos, haverá uma guerra comercial.
O governo Obama declarou preocupação com a emenda do algodão – e já está se mexendo para derrubá-la no Senado, que tradicionalmente é mais sensível às demandas agrícolas do que a Câmara dos Deputados.
Fonte: Valor, em 17/06/2011