Se dependesse apenas dos planos do governo do PT e dos discursos do ex-presidente Lula, o Brasil deveria ser há muito tempo o principal fornecedor de etanol para os Estados Unidos. Na realidade, porém, o Brasil passou a grande importador do produto americano. E, justamente por causa do aumento das importações brasileiras, os EUA devem tornar-se, neste ano, o maior exportador mundial de etanol.
Dois relatórios divulgados nos últimos dias por instituições dos EUA – uma associação de produtores de combustível de fontes renováveis e o Departamento de Energia – mostram que, neste ano, as exportações de etanol americano poderão alcançar de 1,9 bilhão a 2 bilhões de litros, superando pela primeira vez as vendas externas do produto brasileiro, que devem totalizar de 1,2 bilhão a 1,6 bilhão de litros. Embora tenham problemas para abastecer o mercado doméstico, os produtores brasileiros precisam manter as exportações para cumprir contratos firmados com seus clientes.
Há uma ironia nessa mudança no comércio mundial de etanol. Ela ocorre no momento em que o mercado que mais arduamente o ex-presidente Lula tentou conquistar para o produto brasileiro começa a se abrir para o etanol estrangeiro – mas o Brasil não pode aproveitar essa oportunidade, pois não produz o suficiente nem para abastecer o mercado interno, daí a necessidade de importação. Neste ano, o Brasil deve importar 1,6 bilhão de litros de etanol, mais do que a importação recorde de 1995 (1,4 bilhão de litros).
O governo não parece preocupado com essas mudanças. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, minimizou o impacto da quebra da safra de cana-de-açúcar da Região Centro-Sul, cuja produção foi afetada pelas chuvas intensas de 2009, pela seca de 2010 e pelas geadas de 2011. "Houve uma pequena quebra de safra, conjuntural, episódica, e que acontece sazonalmente com todos os produtos do mundo", disse o ministro na sexta-feira passada, durante a inauguração de uma destilaria em Colina, no interior de São Paulo.
O descompasso entre a demanda e a produção, que tem forçado a importação de etanol em volumes crescentes, também é visto como uma situação natural pelo governo. "Importamos etanol suficiente para manter o mercado abastecido, e a garantia que o governo pode dar é que não haverá falta do produto nas bombas", completou Lobão.
Considerados pelo governo brasileiro como ineficazes – por utilizarem o milho subsidiado como matéria-prima para a produção do álcool, de qualidade inferior do ponto de vista ambiental ao etanol produzido a partir da cana -, os produtores americanos ficarão muito satisfeitos com a disposição das autoridades de assegurar a normalidade do abastecimento interno por meio da importação.
Para o governo, o aumento da importação é uma questão passageira. O ministro citou medidas já anunciadas para o aumento da produção em ritmo suficiente para assegurar o abastecimento interno e o crescimento das exportações, considerando-as suficientes para afastar o risco de crise futura. Uma dessas medidas é a imposição, à Petrobrás, do aumento de sua participação na produção de etanol. Se os planos do governo e da estatal forem executados de acordo com o cronograma, em 2015 a fatia da Petrobrás na produção doméstica poderá alcançar 12% (atualmente, é de 5%).
Lobão citou também a existência de linhas de financiamento disponíveis no BNDES e no Banco do Brasil para investimentos em canaviais. Não deixou de citar também a criação de um estoque regulador do combustível, medida citada por produtores e economistas do setor como indispensável para evitar a escassez e os movimentos bruscos do preço do etanol para o consumidor. Mas é preciso que esse estoque deixe de ser apenas um plano.
O que a sucessão de problemas de abastecimento doméstico e, agora, as mudanças no comércio de etanol deixam claro é que de nada adianta promover o produto brasileiro se não estiverem asseguradas as condições necessárias para o crescimento contínuo da produção.