Empresas farmacêuticas chinesas e indianas hoje fabricam mais de 80% dos ingredientes ativos dos medicamentos vendidos em todo o mundo. Mas elas nunca puderam copiar os complexos e caros remédios biotecnológicos cada vez mais usados para tratar câncer, diabetes e outras doenças nos países ricos -até agora.
Esses laboratórios de medicamentos genéricos dizem que estão prestes a comercializar cópias mais baratas de campeões de vendas como o Herceptin para câncer de seio, o Avastin para câncer de cólon, o Rituxan para linfoma não Hodgkin e o Enbrel para artrite reumatoide. Sua entrada no mercado no próximo ano -possibilitada por investimentos de centenas de milhões de dólares em fábricas de biotecnologia- poderão não apenas transformar o tratamento de pacientes na maior parte do mundo, como também provocar um contra-ataque das grandes empresas farmacêuticas e de diplomatas dos países ricos.
O governo Obama já vem tentando conter o esforço de países mais pobres para conseguir um novo acordo internacional que lhes permitiria contornar os direitos de patente e importar drogas indianas e chinesas mais baratas para câncer e outras doenças, como fizeram para combater a Aids. A discussão é se doenças como o câncer podem ser consideradas emergências ou "epidemias".
Os países ricos e a indústria farmacêutica concordaram dez anos atrás em desistir dos direitos de patente e dos lucros que eles geram diante da epidemia de Aids que ameaçava eliminar a população de parte da África, mas não consideram emergências as mortes por câncer, diabetes e outras doenças não transmissíveis.
O debate se intensificou antes da reunião dos líderes mundiais na ONU em 19 de setembro para confrontar o aumento de mortes por doenças não transmissíveis, que causam dois terços de todas as mortes. É somente a segunda questão de saúde global que a Assembleia Geral da ONU considerou urgente o bastante para convocar uma reunião para discuti-la. A cúpula deu às doenças crônicas o mesmo nível de atenção que havia sido dado ao HIV e à Aids.
Os EUA têm uma longa história de pressionar por fortes proteções a patentes no comércio internacional e outros acordos para proteger importantes indústrias domésticas como a farmacêutica.
As patentes dão aos inventores direitos a 20 anos de vendas exclusivas, mas a lei internacional permite que os países obriguem as empresas a compartilhar esses direitos com os concorrentes, sob diversas circunstâncias.
As novas imitações biotecnológicas provavelmente vão instigar o debate entre os defensores dos pobres. Alguns já alegam que os bilhões gastos para tratar a Aids deixaram de lado soluções simples e baratas para outros problemas, como a diarreia infantil.
Os remédios genéricos serão menos caros que os originais, mas não serão baratos. É improvável que muitos países africanos possam pagar por eles.
O doutor Yusuf K. Hamied, presidente da gigante das drogas indiana Cipla Ltd., eletrizou a comunidade de saúde global uma década atrás quando disse que poderia produzir remédios para Aids por US$ 1 por dia. Esse preço caiu, desde então, para US$ 0,20 por dia e mais de 6 milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento hoje recebem tratamento, contra cerca de 2 mil em 2001.
O doutor Hamied disse que ele e um sócio chinês, a BioMab, investiram juntos US$ 165 milhões para construir fábricas na Índia e na China para produzir uma dúzia de remédios biotecnológicos. Como esses medicamentos são feitos com bactérias geneticamente modificadas, devem ser testados extensamente em pacientes antes de vendidos.
Quando esses testes forem concluídos, o doutor Hamied prometeu vender as drogas por um terço de seus preços normais, que geralmente são de dezenas de milhares de dólares para um tratamento. Em retrospectiva, a batalha dez anos atrás sobre os remédios para Aids foi uma pequena escaramuça comparada com a que provavelmente irromperá sobre remédios para câncer, diabetes e doenças cardíacas. O mercado de drogas para a Aids nunca foi um grande fazedor de dinheiro para as gigantes farmacêuticas globais, enquanto as drogas para câncer e diabetes são vitais para a sobrevivência delas.
O México sozinho gasta cerca de US$ 120 milhões comprando Herceptin para tratar mulheres com câncer de seio, o que é quase 0,5% de todos os gastos do governo em tratamentos de saúde. Em 2007 o México garantiu o acesso ao Herceptin para todas as mulheres doentes através de um programa de seguro público.
Hermillia Villegas, 47, de Jalisco, soube que tinha um câncer de seio. Seu médico lhe disse que cada um dos 17 tratamentos com o Herceptin custaria mais de US$ 3 mil. "Eu não tenho tanto dinheiro", disse Villegas, cujo marido é um zelador. O novo programa de seguro-saúde, que paga toda a medicação, salvou sua vida.