Das fileiras da escola de direito do Largo São Francisco, em São Paulo, ao cargo de desembargador recém nomeado no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 9ª Região, Paraná. A trajetória do juiz Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, 50, seria comum para um estudante da mais importante universidade do país não fosse um desafio: no terceiro ano do curso, o então candidato a bacharel perdeu completamente a visão.
Fonseca nasceu prematuro de seis meses, com baixa visão, o que não o impediu de entrar para a Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Já como estagiário do Centro Acadêmico 11 de Agosto, o problema se agravou, até a cegueira completa. Tinha 23 anos.
Eu só continuei graças aos meus colegas, que gravavam os livros em fitas cassete para eu conseguir estudar. Essa amizade foi fundamental para toda a minha vida, conta.
Desde então, galgou passos na carreira. Advogou de 1985 a 1987, foi assessor de um juiz de Campinas (interior paulista) até 1991 e, nesse meio tempo, em 1990, prestou concurso para juiz do Trabalho. Passou, mas foi desclassificado por ser cego.
Não desistiu. Enquanto, mais uma vez, colegas se mobilizavam para reverter o resultado desfavorável do concurso com um mandado de segurança, que acabou negado, conseguiu tornar-se procurador do Trabalho, aprovado em 6º lugar, entre cerca de 5.000 candidatos, no exame do Ministério Público do Trabalho. Também fez mestrado e doutorado, e hoje dá aulas em pós-graduação.
Depois de 18 anos na carreira de procurador, e mais uma vez com o apoio dos colegas, foi nomeado à Justiça do Trabalho pelo Quinto Constitucional, dispositivo previsto na Constituição Federal pelo qual o próprio Judiciário escolhe um membro do Ministério Público para fazer parte daquele Poder. Fonseca exerce a função desde agosto deste ano e, nesta quinta-feira (17), recebe a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a sua cerimônia de posse festiva.
Meu trabalho mudou, porque agora em vez de fazer ações, investigações, eu julgo. Mas a rotina continua a mesma, com ledores que me auxiliam. E deve ficar ainda mais fácil, porque agora estão digitalizando os processos que chegam ao tribunal e eu terei um programa de computador que transforma os textos em voz, afirma.
Ao todo, são oito assessores que se revezam para auxiliá-lo com a leitura -o mesmo número a que têm direito todos os desembargadores do tribunal. Estuda-se a possibilidade de se incluir mais uma pessoa para exercer apenas esta função, mas não foi preciso qualquer adaptação no local em razão da deficiência. A única adaptação necessária no escritório é esse programa para a conversão dos processos [em voz], afirma.
O magistrado diz que já participou de decisões colegiadas e que, para isso, também conta com a ajuda dos colegas desembargadores, com quem afirma ter uma boa relação. Estou muito feliz. Gosto muito de Curitiba. E estou muito honrado com a visita do presidente Lula.
Fonseca também considera que os jovens com dificuldades visuais de hoje terão muito mais condições de se tornarem juízes, justamente em razão do avanço da tecnologia. Eles têm muita destreza com o computador. Na minha época não havia essas possibilidades.
Já sobre seu novo cotidiano, atendendo as demandas trabalhistas, é realista. O problema da Justiça do Trabalho está no excesso de demanda e na falta de juízes, apesar de que ela ainda é a mais célere do país. Mas a primeira instância é muito mais carente, conclui.
Fonte: Folha de SP, em 17/09/2009