Os defensores da tecnologia flex baseada no etanol, vista como amigável ao meio ambiente e mais viável em relação a outras opções como o carro elétrico, estão ávidos por sua disseminação mundo afora. Na semana passada, porém, receberam duro golpe com a divulgação de documento revelando que a Toyota, maior montadora do mundo, promove boicote ao veículo flex nos Estados Unidos.
No início de fevereiro, o Brasil comemorou o anúncio, feito pela Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA), da classificação do etanol feito de cana como combustível avançado, capaz de reduzir a emissão de dióxido de carbono em 61% comparado à gasolina. A decisão foi considerada por usineiros como um passaporte para colocar o álcool em diversos países, transformando-o em uma commodity.
A postura da Toyota nos surpreendeu por ser antagônica, afirma Alfred Szwarc, consultor de Emissões e Tecnologia da Unica, entidade que representa as usinas de álcool. Para ele, ao mesmo tempo em que desestimula o automóvel flex nos EUA, a Toyota tem no Brasil um carro com essa tecnologia que é líder em vendas entre os sedãs médios. A posição mostra que grandes corporações não têm uma política global. Ela varia de país para país.
A filial brasileira vendeu no ano passado 54,6 mil unidades do Corolla flex com motor 1.8 e vai lançar, este mês, a versão com motor 2.0. No fim do ano, será a vez da picape Hilux, produzida na Argentina, também ganhar motor flex.
Uma das justificativas da resistência da Toyota ao flex seria sua grande aposta nos carros híbridos. Na opinião de Szwarc, porém, o etanol é compatível com essa tecnologia, por isso não precisaria ser excluído dos projetos da empresa.
O documento interno da Toyota revelado na semana passada foi entregue à comissão do Congresso americano que investiga o megarecall de mais de 8 milhões de veículos. Trata-se de uma apresentação confidencial a executivos da empresa feita em julho relacionando as vitórias da companhia nos tribunais. Uma delas seria a economia de US$ 100 milhões obtida com a limitação do recall dos modelos Camry e Lexus, após negociação com autoridades reguladoras. Outra, do lobby contra o carro flex.
Nos EUA, os carros flexíveis são chamados de E85, referência à mistura adotada no país, de 85% de etanol feito de milho e 15% de gasolina – obrigatória por causa das baixas temperaturas no inverno. Há apenas 7,5 milhões de carros flex em circulação no país. Defensores do sistema reclamam da falta de infraestrutura para abastecimento. Poucos postos oferecem a mistura.
Szwarc considera o lobby de montadoras contra o flex um obstáculo às exportações brasileiras, mas não intransponível. Ele lembra que as metas estabelecidas pelo governo americano preveem que 50% dos carros novos vendidos localmente até 2012 terão de ser flex, participação que deve subir para 80% até 2015.
No caso da opção do flex com uso de etanol, a intenção é exportar o produto para complementar a produção local. Em 2008, o Brasil exportou 1,5 bilhão de litros de álcool para os EUA, volume que despencou para 270 milhões de litros no ano passado.
No Brasil,, a Toyota foi a última montadora a lançar modelos flex, em 2007. A tecnologia que permite o uso de álcool ou gasolina no tanque começou a ser incorporada no País quatro anos antes. De acordo com técnicos que participaram das discussões para a criação dos modelos bicombustível na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), inicialmente a montadora japonesa demonstrou resistência à tecnologia, mas não estava só.
Na época, as empresas novatas no mercado – Honda, Renault e PSA Peugeot Citroën – também relutaram em aceitar o flex. Elas não dominavam a tecnologia, um aperfeiçoamento do carro a álcool que dominou o mercado nos anos 80. Diante do sucesso, as novatas se renderam à tecnologia, sob o risco de perderem mercado, afirma um analista do setor automotivo. A Toyota, que até hoje importa os motores dos seus carros do Japão, teve de desenvolver o sistema flex na matriz, o que demandou tempo.
Para um conceituado técnico consultado pelo Estado, que prefere não ter o nome divulgado, a solução adotada pelos japoneses tem algumas falhas que prejudicam o desempenho do motor. Uma delas é manter a taxa de compressão do motor muito próxima tanto para o uso de álcool como gasolina.
O porta-voz da Toyota afirma que a montadora nunca se opôs ao carro flex no Brasil, pois mantém uma política de ter o carro certo, com a tecnologia certa para o país correto, sempre de acordo com a viabilidade do projeto. A empresa não explicou porque, no manual do Corolla, sugere que, a cada 10 mil km rodados, o motorista abasteça o tanque apenas com gasolina. Na visão de analistas, não há justificativa técnica para a orientação.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 1/3/2010