Fornecedor de cana-de-açúcar para a Usina da Barra, de 1956 a 2006, João Maria Carneiro Lira, 77, afirma que foi forçado a sair do negócio. Não dá mais para ficar preso com a entrega para uma só usina e receber pela matéria-prima o que ela determina. O cartel que começa se formar entre as usinas, com a entrada de grandes grupos nesse mercado, está acabando com os produtores de cana e logo vai atingir o consumidor, afirma Lira, que passou a produzir também soja e café.
A queixa de Lira é a mesma de outros nove plantadores de cana da região de Jaú (SP) ouvidos pela Folha e de produtores da região de Araçatuba -estes chegaram a recorrer à Justiça.
Eles afirmam que as usinas adotam práticas irregulares na compra da cana -ao exigirem exclusividade de fornecimento- e no preço pago pela matéria-prima, com objetivo de eliminar os produtores independentes e obter maior controle sobre o setor de açúcar e álcool.
Essa prática, afirmam, consiste na divisão geográfica da plantação de cana -os chamados quintais- do Estado de São Paulo. O produtor que vende cana para uma usina está impedido de vender para outra.
Os usineiros adotam ainda, segundo os produtores, uma fórmula para pagar menos pela matéria-prima. Desde 1998, esse preço é calculado de acordo com o volume de açúcar da cana -o chamado ATR (açúcar total recuperável).
A partir de 2005, as usinas estabeleceram uma média entre o volume de açúcar da cana do produtor e o da cana de sua plantação própria (em terras arrendadas pelos usineiros) para definir o preço. Isso resulta sempre, segundo eles, em um volume menor de açúcar e, consequentemente, em um preço menor pago pela cana.
Antes desse sistema, segundo eles, o teor de açúcar da cana na região de Jaú era de 145 quilos por tonelada, em média. No caso de alguns produtores, o volume de açúcar chegava até a 160 quilos por tonelada.
Na safra de 2009/2010, segundo afirmam, o teor de açúcar caiu para 130 quilos por tonelada por determinação das usinas. Perdemos 15 quilos de ATR por tonelada ou R$ 5,23 por tonelada, considerando que o quilo de ATR foi de R$ 0,3492 nesta safra, afirma Luiz Fernando Martins Auler, produtor de cana de Jaú.
Antes de a Cosan entrar na região, com a compra da Usina da Barra, eu estava livre para vender a cana para qualquer usina por um preço justo. De 2006 para cá, só posso vender para a Cosan e por um preço baixo. Existe um cartel na região, que está acabando com o produtor, afirma A.C., produtor de cana há 15 anos em Jaú, que não quis se identificar.
Ele afirma que, como sua plantação está no quintal da Usina da Barra, só pode fornecer para ela, apesar de tentar negociar com outras usinas.
As indústrias que estariam envolvidas na suposta prática de cartel, segundo os produtores, são Usina da Barra, Dois Córregos e Diamante, que pertencem à Cosan, as usinas Santa Cândida, Della Coletta e Paraíso (do grupo Paraíso Bioenergia), além da destilaria Grizzo. Todas negam a existência de qualquer tipo de cartel e informam que os contratos seguem regras de livre mercado.
Os grandes grupos desejam dominar desde a produção até a exportação de açúcar e álcool. O sistema de ATR não é transparente para o fornecedor. O teor de açúcar considerado é menor do que o real. Tentei vender para outras usinas e não consegui, diz Maria da Penha Lombardi, fornecedora há 12 anos para a Usina da Barra.
Na Justiça
Na região de Araçatuba, plantadores de cana recorreram à Justiça para ter a liberdade de venda da cana. No início deste mês, decisão da Justiça beneficiou 11 produtores. Quando eles procuravam uma usina para vender, a resposta era não, por conta dessa divisão de território entre os usineiros. Existe um acordo de cavalheiros entre eles muito difícil de mudar, afirma Jonair Nogueira Martins, diretor jurídico da Producor (Associação dos Produtores Rurais de Coroado), que defende os produtores de cana da região.
Martins diz que, além da prática de reserva de mercado, outro problema na região de Araçatuba é a difícil situação financeira das usinas e a inadimplência com os produtores.
Em outras regiões, como a de Ribeirão Preto, produtores também dizem estar preocupados com possíveis reflexos de aquisições e concentração no setor, liderada por multinacionais como a Louis Dreyfus.
Fonte: Folha de SP, em 13/04/2010