O Acordo de Copenhague trouxe avanços em compromissos internacionais sobre mudança do clima. No entanto, apenas reconheceu os potenciais impactos das medidas de resposta – em linguagem diplomática, a noção de que medidas comerciais relacionadas ao combate ao aquecimento global adotadas por um país podem gerar danos econômicos e sociais a outros. Na prática, o acordo não oferece soluções sobre os limites de interação entre as regras internacionais de comércio e aquelas relativas ao clima.
Desde a COP-13, em Bali, a relação entre clima e comércio tem avançado em três eixos de discussão: a liberalização de bens e serviços ambientais; o estímulo à transferência de tecnologias ambientais e de energia limpa; e a utilização de subsídios e medidas comerciais para redução dos custos de ajuste incorridos por setores intensivos em energia e expostos à concorrência internacional. Apenas os dois últimos fazem parte das negociações no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e do Protocolo de Kyoto.
O primeiro eixo, já parte da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), incorpora proposta dos EUA e de outros países desenvolvidos para sua retirada do pacote único dessa negociação com a justificativa de que sua vertente equivalente sobre mudança do clima exige soluções imediatas. Os países que formam o Basic – Brasil, África do Sul, Índia e China – são contrários. O Brasil, em particular, só aceita negociar o tema fora da OMC se as barreiras ao etanol forem incluídas na lista de obstáculos a serem eliminados.
O segundo eixo replica, na negociação sobre clima, a retórica da liberalização comercial como forma de países emergentes acessarem tecnologias limpas. Destaca-se, nessa discussão, a proposta da China, apoiada pelo Basic, em favor da flexibilização dos direitos de propriedade intelectual. A proposta sugere que países desenvolvidos viabilizem a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento no contexto das ações de mitigação e adaptação à mudança do clima. Não há, no entanto, posições claras sobre como torná-la operacional.
O terceiro eixo examina, de um lado, o crescente uso de subsídios nos regimes domésticos dos países desenvolvidos – concessão gratuita de licenças de emissões para setores regulados, subvenção à atividade agrícola por esquemas de offsets e transferência de recursos em condições favoráveis para programas de investimento, desenvolvimento tecnológico e modernização industrial – e, de outro, a tentativa de uso de barreiras comerciais na fronteira para equalizar custos entre produtores domésticos e exportadores de países sem regimes comparáveis de combate à mudança do clima. De fato, trata-se do eixo mais relevante. A provável aprovação de legislação norte-americana com a inclusão de barreiras comerciais e a agressiva retórica francesa nessa mesma direção são exemplos alarmantes.
Resultaram da COP-15 três propostas nessa última área.
A primeira é de autoria dos EUA e conta com apoio da União Europeia. Trata-se de uma não proposta, pois apenas reafirma o princípio previsto no Art. 3.5 da Convenção: o de que um país pode adotar medidas comerciais relacionadas à estabilização do clima desde que estas não resultem em discriminação arbitrária ou injustificada, ou em restrições disfarçadas ao comércio.
A segunda é de autoria da Índia e conta com apoio da China. Trata-se de proposta que cria proibição para qualquer medida unilateral adotada por país desenvolvido contra bens e serviços importados de países em desenvolvimento em nome da estabilização do clima, do combate ao vazamento de carbono ou da equalização dos custos de ajuste à legislação ambiental doméstica.
A terceira é de autoria do Brasil e conta com apoio da África do Sul. Diferente da versão norte-americana, implementa a Convenção, pois especifica que os países não devem adotar barreiras comerciais relacionadas ao clima, em especial medidas unilaterais de natureza fiscal e não fiscal aplicadas na fronteira. No entanto, difere-se da proposta indiana, pois não cria proibição total – ao contrário, permite que medidas sejam adotadas, desde que não constituam discriminação arbitrária ou injustificada, ou resultem em restrições disfarçadas ao comércio.
A proposta da Índia, embora percebida pelos que a apoiam como a panaceia para as barreiras comerciais, cria outros problemas. Primeiro, discrimina entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que é inconsistente com o princípio da Nação Mais Favorecida da OMC. Segundo, parte da premissa de que qualquer medida comercial relacionada ao clima não acordada de forma multilateral é protecionista. Terceiro, cria proibição inconsistente tanto com a competência da UNFCCC, como com as exceções gerais da OMC utilizadas como justificativas para políticas ambientais (Artigo XX do GATT).
A proposta do Brasil, mais equilibrada, implementa a Convenção e envia sinal político à OMC de que o assunto precisa ser negociado no fórum apropriado. Captura, também, a preocupação dos países em desenvolvimento com a nova geração de barreiras comerciais. Ademais, é, do ponto de vista político e negociador, mais realista que a indiana.
Os EUA, por razões óbvias, não aceitarão proibição às medidas previstas em sua legislação doméstica. Assim, a proposta defendida pela Índia e pela China pode, em nome de tentar resolver o que é urgente (evitar barreiras comerciais), não solucionar o que é importante: a inclusão, no acordo sobre clima, de disposições que possam amparar o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC em eventuais disputas comerciais e que criem condições para o futuro tratamento do tema nessa organização.
Em 2010, os debates prosseguirão e seus resultados terão impacto significativo e de longo prazo para as regras internacionais sobre comércio e para o setor exportador brasileiro.
Antonio Josino Meirelles Neto é Relações Internacionais da CNI.
Carolina Lembo é especialista em energia da FIESP.
Diego Z. Bonomo é diretor executivo da Brazil Industries Coalition (BIC).
Fonte: Jornal da Cana, em 28/05/2010