O lobby do setor brasileiro do etanol encontrou dois reforços inusitados para sua meta de abrir o resistente mercado americano. Diante do maior desastre ambiental dos Estados Unidos ? o derramamento de cerca de 35 mil barris diários de petróleo no Golfo do México ao longo dos últimos 65 dias ?, o presidente americano, Barack Obama, abraçou a bandeira da energia renovável e da redução da dependência de petróleo.
Como resposta ao déficit público do país, o discurso em favor do corte nos gastos públicos da ala mais extremista do Partido Republicano, o Tea Party, deu força à eliminação dos subsídios locais. O velho argumento de que a abertura do mercado americano de etanol só vai beneficiar o Brasil caiu por terra, afirmou Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). O desastre no Golfo do México abriu a discussão interna sobre se vale a pena a exploração de petróleo em águas profundas nos Estados Unidos e o incentivo à ampliação do uso do biocombustível.
Os novos aliados serão úteis para os dois objetivos de curto prazo do setor sucroalcooleiro do Brasil. O primeiro é acabar com a tarifa específica de importação de etanol, de US$ 0,54 por galão, que torna inviável a exportação brasileira ao mercado americano.
O segundo objetivo é acabar com o subsídio de US$ 0,45 a cada galão de etanol (de milho) adicionado à gasolina nos Estados Unidos, que vigora desde 1978 e inflaciona o preço do produto no mercado. Essa conta alcança US$ 6 bilhões ao ano. O real debate, nos Estados Unidos, é sobre o fim do subsídio. Não é sobre a tarifa. A questão é: quem vai pagar essa conta?, afirmou Jank.
Pato manco. A vigência de ambos os instrumentos termina em 31 de dezembro. A Unica acredita que, com alguma dificuldade, poderá convencer os legisladores americanos a acabar com a tarifa e o subsídio. A agenda do Congresso, entretanto, será curta por causa das eleições legislativas marcas para o dia 2 de novembro.
Com espaço entre 3 de novembro e 31 de dezembro, os parlamentares tenderão a construir o chamado pato manco, um projeto de lei volumoso, que englobará os mais diferentes temas pendentes.
No pato manco, a Unica tanto pode conseguir o fim da tarifa e/ou do subsídio, como ver ambos renovados por mais um período. Um dos projetos já em circulação no Congresso, que reúne outras propostas, prevê a extensão da subvenção por cinco anos. Outras cinco propostas trazem a eliminação dos dois instrumentos. Recentemente, o próprio senador Chuck Grassley, republicano de Iowa, reconheceu que nunca foi tão difícil renovar a tarifa sobre o etanol.
Batalha. Além disso, ainda há a expectativa de que a tramitação de uma nova lei de Energia, impulsionada especialmente por Obama na última semana, venha a trazer incentivos maiores ao consumo de etanol no país, entre outras fontes alternativas. A ampliação da demanda inevitavelmente levaria à abertura do mercado americano. Os senadores envolvidos nessa discussão, entretanto, ainda falam línguas diferentes sobre cada detalhe.
Nessa batalha, a Unica preferiu adotar uma estratégia de guerrilha. Com um escritório de lobby montado em Washington, a entidade busca a confiança dos assessores dos parlamentares e aliados entre os diferentes grupos da sociedade civil.
Nessa lista, entram os preocupados com as finanças públicos, os contrários ao protecionismo, os ambientalistas, os criadores de animais, os frigoríficos, os fabricantes de ração animal e até mesmo as petroleiras que estão investindo na produção de etanol no Brasil, como a Shell e a Total.
Fonte: O Estado de SP, em 04 de julho de 2010