A menina dos olhos do governo brasileiro na área energética, o etanol, vem sendo sangrada por distribuidoras de combustíveis que exploram deficiências na arrecadação tributária e a morosidade da Justiça no país para obter lucro. A denúncia é do próprio Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), que reúne as principais companhias desse mercado. A entidade estima que o governo deixe de arrecadar R$ 1 bilhão por ano em impostos com a venda do álcool.
A fraude é realizada por empresas regulamentadas e autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a funcionarem. As distribuidoras, abertas muitas vezes com o auxílio de laranjas, compram álcool das usinas, vendem o produto a postos de combustível, recolhem os impostos e, apesar de emitirem nota fiscal das operações e serem legalizadas, deixam de repassar as contribuições à Receita Federal, sendo consideradas inadimplentes e não sonegadoras.
Segundo o vice-presidente do Sindicom, Alisio Vaz, o surgimento sistemático dessas distribuidoras encontra respaldo na legislação. A brecha está na forma como a tributação é organizada. No caso dos derivados do petróleo, há uma grande concentração de recolhimento de tributos na Petrobras. Com o etanol, a tributação é dividida entre produtores e distribuidores. “O que aconteceu foi que os fraudadores foram se aprimorando. Sabemos hoje que existem empresas que são criadas exclusivamente para operar sem pagar impostos e, tecnicamente, elas não são sonegadoras, porque o processo é legal, registrado”, explicou.
De acordo com Vaz, a vida dessas empresas é curta — cerca de dois a três anos —, mas o suficiente para provocar estragos no mercado com a prática de concorrência desleal. “É o tempo que a fiscalização e a Justiça levam para confirmar que a empresa inadimplente é, na verdade, sonegadora. Quando se percebe isso, no entanto, ela já está fechada e deixa um passivo tributário enorme”, destacou. O setor estima que um terço do volume total de álcool vendido no país não paga integralmente os impostos previstos, nesse caso o PIS/Cofins (federal) e o ICMS (estadual). De acordo com o cálculo do sindicato, o preço médio do etanol entre 18 e 24 de julho no Distrito Federal foi de R$ 1,86, dos quais R$ 0,59 referentes ao peso dos impostos.
Sonegômetro
A exemplo do Impostômetro, aparelho instalado no centro de São Paulo pela Associação Comercial local que mede o quanto os brasileiros pagam em impostos indiretos no ano, o Sindicom criou o sonegômetro. O equipamento se assemelha a uma bomba de gasolina e registra em tempo real quanto o governo deixa de arrecadar com a prática dessas distribuidoras. O sonegômetro foi equipado com um sistema baseado nos volumes de etanol comercializados anualmente e nos preços médios de mercado. Até quarta-feira, 4, o valor desencaminhado no ano com a sonegação(1) na venda de combustível ultrapassava R$ 591 milhões, montante suficiente para construir mais de 23,6 mil casas populares, comprar 2,5 milhões de cestas básicas ou pagar R$ 4,7 milhões de benefícios do programa Bolsa Família.
1 – Reação
Enquanto a Receita Federal, em âmbito nacional, não consegue encontrar soluções para o problema, algumas iniciativas isoladas tentam barrar as fraudes. Em São Paulo (região que concentra grande produção de etanol), a secretaria de Fazenda do Estado criou uma forma de diferenciar potenciais sonegadores. A instituição montou um cadastro com as distribuidoras, no qual as empresas não credenciadas são obrigadas, por exemplo, a recolher o imposto devido em cada venda realizada, como explicou Vaz. “Cada caminhão de etanol que ela descarrega, é obrigada a preencher a via de recolhimento de imposto, ir no banco e pagar o valor devido.”
Fonte: O ESTADO DE SP, em 05/08/2010