O Brasil está investindo no mercado japonês para que se abra ao consumo do etanol. Mas a resistência é grande, ainda que, aos poucos, isso esteja mudando.
Segundo Newton Sonoki, convencer o arquipélago de que o álcool é uma saída para uma futura esscassez do petróleo vai demandar tempo, mas a Petrobras está confiante no resultado. Eles precisam entender que o etanol é bom para o país e para as empresas do setor, diz.
Por que o etanol se tornou comum no Brasil como combustível, mas não em outros países?
NEWTON SONOKI: Há cerca de 35 anos, o Brasil importava 95% do petróleo que consumia. Na década de 70, com a crise do petróleo, o País recuperou a tecnologia de uso do álcool, usada na Segunda Guerra por vários países, incluindo o Japão. Naquele momento intensificou-se o cultivo da cana-de-açúcar, que já era usada para produção de açúcar. Foi quando surgiu o projeto Pró-álcool, e aí várias usinas foram instaladas com o apoio do governo. O objetivo era cortar a dependência do petróleo estrangeiro, criando a oportunidade para o etanol brasileiro. O preço desse combustível variou muito ao longo das décadas, mas, de maneira geral, no Brasil é mais barato que o do petróleo. Lá é consumido por 52% dos veículos leves. Em 2003, foi introduzida a tecnologia flex-fuel, dos EUA, que se adaptou muito bem ao Brasil. Atualmente, quase 90% de novos veículos adotam esse sistema. Além disso, quase 100% dos postos em todo país têm bomba de gasolina e de álcool.
Onde se concentra a produção de etanol no Brasil?
SONOKI: Cerca de 80% fica no nordeste do Estado de São Paulo, entre Campinas e Araçatuba. Também no Cerrado de Minas Gerais, Goiás e Pernambuco, onde tem o problema da falta de água. A Petrobras está construindo um alcoolduto saindo de Brasília até o porto de Santos e São Sebastião (ambos em SP), o que irá reduzir o custo de transporte.
A cana-de-açúcar plantada é a mesma em todo o país?
SONOKI: O Brasil criou o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) há quase 30 anos, que desenvolve novas formas de cultivar a cana, adequadas para cada região e tipo de solo, que, assim como o clima, é totalmente distinto em São Paulo, Goiás e outras localidades. No Brasil, plantam-se mais de 20 espécies diferentes, algumas mais resistentes, outras mais produtivas. Isso é importante, pois se tivermos uma só, ficamos vulneráveis se, por exemplo, uma peste destruir toda a plantação. Temos mais de 200 espécies que estão sendo desenvolvidas no CTC, inclusive exportamos essa tecnologia. Neste ano, a EPA (a agência de proteção ambiental dos EUA) divulgou um relatório que diz que a cana-de-açúcar brasileira reduz a emissão de gases em 61% em sua cadeia de produção se comparada com a gasolina.
Qual a proposta do Brasil para o mercado japonês?
SONOKI: Diante do compromisso do Japão em reduzir a emissão de gases poluentes e o interesse do Brasil em implantar o padrão nipônico no sistema digital de TV, foi fi rmado um acordo bilateral durante a visita do (ex-premiê Juniichiro) Koizumi. Desse acordo, foi criada em 2004 a lei que liberou a inclusão de até 3% de etanol ou ETBE (um éter) na gasolina. Temos hoje 50 postos que vendem essa mistura, chamada de E3, em todo Japão. Em Niigata, são 19 deles em parceria com as Cooperativas Agrícolas do Japão, 20 em Osaka, seis na região Kanto e 4 na ilha Miyakojima (Okinawa) e, daqui a dois meses, estaremos abrindo um posto na ilha principal de Okinawa. Mas o ETBE é muito parecido com um outro éter, o MTBE, banido em parte da Europa, Estados Unidos, Brasil e Japão por ser um produto cancerígeno. O ETBE, que é também proíbido em certos países europeus, EUA e Brasil, ainda não é conhecido em detalhes e não se sabe qual será a consequência de seu uso no futuro. Além disso, 60% da fórmula do ETBE é de isobutanol, um produto caríssimo no mercado.
Como o Japão consome o etanol?
SONOKI: Cerca de 8% do álcool são para bebidas e para uso industrial. O percentual para combustível é tão pequeno que nem aparece nos dados. Em 2009, o Brasil teve uma queda de 40% de exportação em relação ao ano anterior. Esperamos que o governo japonês leve em consideração o estudo da EPA, o que aumentaria o mercado japonês. A própria Toyota coloca em seu site que todos seus veículos podem utilizar até 10% de etanol como combustível. Para atender o compromisso do ex primeiro-ministro Yukio Hatoyama de reduzir em 25% a emissão de gases (até 2020 em relação ao nível de 1990), será preciso a ampliação do consumo do etanol brasileiro.
A produção de cana para a extração do etanol pode deixar a população sem os outros derivados dela, como oaçúcar?
SONOKI: Não. A produção de cana no Brasil cresceu cerca de 10% no ano passado. A de grãos em 2009 cresceu 22%. Estamos plantando mais cana para fazer álcool, e estamos produzindo mais grãos que cana. Como no Brasil temos muita terra, não temos o problema.
E o cultivo da cana para combustível não pode fazer aumentar o preço do açúcar, por exemplo?
SONOKI: No ano passado, tivemos muita chuva no Brasil, nos EUA e na Austrália, o que fez cair a produção e subir o preço do açúcar. Mas foi por um problema climático, e não do etanol. Da mesma cana que se tira o açúcar, tira-se também oálcool. Como o preço do açúcar subiu, foi produzido mais açúcar que álcool. Isso provocou a alta do preço do álcooltambém, ficando mais alto que o da gasolina. Enquanto o álcool custar 70% do preço da gasolina, compensa usar. Isso mostra que o preço dos dois produtos – açúcar e álcool – estão ligados.
Como é usado o bagaço da cana?
SONOKI: É usado para se produzir energia através da queima. Essa energia é usada na própria usina e vendida também para a rede de distribuição elétrica. o suco da cana se tira o açúcar. Sobra m caldo que é o melaço, com 10% de çúcar, mas que é impossível de ser retirado. O melaço é fermentado e vira a cachaça ou o álcool. Daí sobra o mosto – o resíduo – que é rico em potássio, magnésio e proteína, usados para fazercrescer a cana. Esse líquido é usado parairrigar novamente a cana, reduzindo-se o uso de adubo.
O que falta para o etanol ser adotado pelo Japão?
SONOKI: A grande resistência é pela Associação de Petróleo do Japão. Eles precisam entender que o etanol é bom para o país e para as empresas do setor. Um exemplo é a Mitsui, que tem posto de gasolina com 3% de etanol. A JA tem dois postos vendendo E3 em Kanto. Em Niigata, são 19 postos vendendo a mistura. Ou seja, estamos convencendo esses grupos de que o etanol é viável. A Petrobras não tem como fornecer 10% de etanol para o mercado, o que significaria 6 bilhões de litros. Então teria que ser dividido, e todo mundo pode ganhar. No entanto, o processo de convencer o Japão é vagaroso. Mas eu acho que isso vai acontecer. Sou suspeito para falar, mas este é um processo sem volta. A solução é o álcool. Nos EUA, já é assim. Aliás, o que me deixa abismado é que, normalmente, o Japão segue os passos dos EUA, mas, nesse caso, não está acontecendo. Talvez porque a ala jovem do partido governante seja antiamericana e faça pressão.
Perfil do entrevistado: Newton Sonoki, 53, é diretor de Marketing e Vendas e também chefe da Divisão do Biocombustível da Brazil-Japan Ethanol, uma subsidiária da Petrobras. Também é diretor-executivo da CCBJ (Câmara de Comércio Brasileira no Japão). Formou-se em geologia pela USP e é mestre pela Universidade de Ouro Preto. Foi um dos responsáveis pela descoberta da Bacia de Campos (RJ).
Fonte: Udop, em 08/09/2010