As críticas de organismos internacionais à produção de biocombustíveis não reduziram o apetite do empresariado para a realização de investimentos no setor. Os pedidos de financiamento para a construção de usinas de álcool cresceram 565,13% de janeiro a abril em relação a igual período do ano passado e somaram R$ 2,338 bilhões, segundo dados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) obtidos pela Folha.
O valor se refere a pedidos em fase de enquadramento, quando já foram encaminhados formalmente ao banco e ocorre a apresentação dos projetos. Até o fim de 2007, a carteira do banco (que inclui operações em análise e as já aprovadas) do setor sucroalcooleiro somava R$ 19,751 bilhões. De 2001 a 2007, o crescimento médio anual dos desembolsos para novos projetos de produção de álcool foi de 312,3%.
Em abril, o relator especial das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler (que deixou o cargo na semana passada), chegou a afirmar que a experiência dos biocombustíveis era um “crime contra a humanidade” e a pedir uma moratória da produção. Os dados do banco de fomento mostram que o setor privado está disposto a investir com foco principalmente no mercado interno.
Mesmo as empresas estrangeiras que estão comprando usinas no país priorizam, em um primeiro momento, o consumo doméstico, mas preparam uma base para a exportação, quando ela se tornar, de fato, um negócio viável.
Segundo Paulo Faveret, gerente do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, cerca de dez grandes grupos mantêm conversas com o banco sobre investimentos ou aquisição de usinas. Os investidores são principalmente do setor de energia, parte do Brasil e parte do exterior. “É um momento muito rico para o setor. Todo mundo tem foco hoje no mercado interno”, disse.
Faveret citou como exemplo a aquisição de 50% da usina Tropical BioEnergia S.A. pela BP (British Petroleum). A usina já tinha contratado um financiamento do banco. Citou ainda como operações semelhantes a compra de 100% do capital do grupo de empresas Dedini Agro pela Abengoa Bionergia, filial da espanhola Abengoa.
Cortina de fumaça
Na avaliação do gerente, mesmo que haja uma sobreoferta de combustível, ela não será suficiente para prejudicar seriamente o produtor, apenas os menos eficientes.
“Essa gritaria é uma cortina de fumaça e vai consagrar o modelo brasileiro. Todo esse tiroteio é por conta da falta de alimentos, mas a razão da crise é a hipocrisia do protecionismo”, afirma Maurílio Biagi Filho, do grupo Maubisa. Segundo ele, em 2020 o país vai produzir 65,3 bilhões de litros, dos quais o setor planeja destinar 50 bilhões ao mercado interno.
Mas o clima no setor é de uma certa frustração. O presidente da Unica (associação de usineiros), Marcos Jank, diz que, de fato, a prioridade é o mercado doméstico, estimulado pela expansão do carro flex.
Hoje, 90% da frota nova é flex -e 75% do consumo desses carros é de álcool. Em pouco tempo, todos os carros novos serão bicombustíveis, segundo estudo do BNDES.
Para Jank, só o flex assegura investimentos no setor. O executivo avalia, porém, que há desânimo de alguns empresários por causa do lento desenvolvimento do mercado externo.
Tal sentimento é mais intenso nos chamados neófitos: empresas nacionais e estrangeiras de outros mercados que passaram a investir no álcool como uma oportunidade de altos ganhos com a exportação.
Atualmente, apenas 15% do álcool produzido é exportado, segundo a Unica. O BNDES projeta que haverá uma expansão de apenas 5% ao ano nas exportações até 2015.
Segundo Sérgio Rosa, técnico do BNDES, na melhor das hipóteses o mercado externo corresponderá a 30% da produção nacional de álcool. Ou seja, o mercado doméstico continuará a ser o motor do setor.
Fonte: Folha de São Paulo, em 04/05/2008